Hoje chove em Ceilândia Norte.
Dizem que es-ta sexta-feira é santa,
por isso o feriado. Parece mais
ser sábado de feriado.
Estou num abrigo para homens em situação de
rua. Há silêncio e abandono por aqui. Sentimentos
que vagam pelas brisas em cômodos e paredes. As
co-res do céu estão cinzentas.
Do outro lado da grade há sobrados de dois
andares em cores verde, amarelo, rosa, dourado em
ja-nelas com grades. Há grades em todos os
luga-res nesta cidade.
Dentro da grade, em que estou, há duas árvores
de folhas verde musgo com pingos vagarosos a beijar
o solo. O tempo parou por aqui!
Ouço som da TV vindo da cozinha, ou quarto.
Um homem conversa em voz alta, interrompe a
pa-ralisia do tempo. Ele fala sozinho
Este papel tem um infinito branco, igual ao
tempo: infinito enquanto não o usamos. Isto não
deve fazer sentido, suponho. Fomos educados para o
temerosos silêncio, ou para permanecermos amarelos
como flores sobre túmulos.
Em 2014, neste abril, também estava aqui,
em Cei-lândia Norte, mas com muitas chaves nas mãos.
Abria e fechava portas, portões, gavetas e grades.
Às vezes o tempo evaporou de um ano para cá.
Permaneço o mesmo. Sou irresponsável por não
per-mitir assumir minhas falhas. Preciso de mais poesia.
Pensei, várias vezes, em te ligar. Imaginei, em
con-flito comigo, que você estivesse a dormir; ou queria
desligar-se do meu contato.
Lembro-me de nossas conversas sobre amor, de
que só os corajosos o alcançam. Risos! Estou em
dú-vida sobre isso. Li, certa vez, que só os imperfeitos
alcançam o amor, posto que ele nos leva à perfeição.
E transforma qualquer um em nobre poeta.
As almas tornam-se mais elevadas e sublimes
quando amam. As flores, o vento e os ciclos do
Universo entram em sincronia conosco quando
amamos.
Queria entender quando ele surge. Se surge, como
saber se é real? Se para ... para sempre? A melhor
resposta seria ver os sinais. E queria - tanto - vê-los.
.
Das cartas que nunca
chegam
Há fotografias na parede. Uma boa música: